terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

A quem serve o Carnaval de Salvador? Por Freitas Madiba

A maior festa de rua do mundo remonta desde os festejos do século XIX, e, para satisfação de boa parte da comunidade cultural, é a nossa capital que carrega o símbolo do melhor Carnaval do planeta. Contudo, a pergunta que fica é: A quem serve o Carnaval de Salvador?
Há muitos carnavais esta festa tem sido tomada pelo poder público e privado apenas como fonte arrecadadora, fazendo-a de um belo modelo de segregação, apartheid e reprodução de diversas formas de opressão social. O caso da privatização dos circuitos oficiais do maior Carnaval do planeta por cervejarias iniciam exatamente com a gestão do então prefeito ACM Neto, sendo os dois primeiros anos com as empresas Brasil Kirin, proprietária da marca Nova Schin, e Petrópolis, da Itaipava. Agora em de 2016 a Brasil Kirin leva a Cota Máster, tornando-se “dona” dos dois circuitos oficiais.
O monopólio midiático e/ou comercial não dialoga com a pluralidade, diversidade e multiculturalidade presentes no Carnaval de Salvador e no Brasil inteiro.
É inevitável a participação das empresas privadas no Carnaval, sou a favor de que as empresas privadas paguem pela festa, afinal, não há como viabilizar um evento desta magnitude apenas com dinheiro público, contudo, não é prudente que a questão da livre concorrência seja desconsiderada. Neste sentido precisamos que órgãos controladores, como o CADE (Conselho Administrativo de Defesa da Economia), normatize o processo de participação destas empresas. Impossível que uma única marca de bebidas ganhe cota máster de exclusividade. Uma extrapolação de todos os limites de atuação do poder público sobre a liberdade de escolha do cidadão. A quem interessa isso?
Estes tipos de privilégios não comungam com o sentido das festas populares, oprimem trabalhadores e controlam o gosto dos soteropolitanos e turistas, beneficiando os empresários e criando um caos dentro do Carnaval, como foi visto em diversos veículos de comunicação.
O Carnaval de Salvador precisa ser visto como um espaço de inclusão para os visitantes e do povo baiano, sobretudo das pessoas que, independente da festa, constroem essa cidade. É necessário ter um planejamento que leve em consideração os trabalhadores e trabalhadoras da capital baiana que aproveitam a folia de Momo para aumentar a renda domiciliar.
O poder público precisa planejar e executar o Carnaval com a nossa gente, descentralizando ainda mais a festa e incluindo nos horários nobres dos desfiles nossas manifestações identitárias como a capoeira, o hip-hop, as baianas, o circo, a poesia, os afoxés, a comunidade indígena, dentre outros.
A compreensão de entendimento do melhor modelo de Carnaval, na cidade mais negra e mais desigual do Brasil, é gigantesca entre os seus nativos e o poder público. É visível como as preferências e prioridades são constituídas entre o valor de cada artista, quando estes valores são revelados, horário da programação, local de camarotes e definição do patrocínio. É a estamparia do lugar onde o rico cada vez fica mais rico e o pobre cada vez fica mais pobre, sob a tutelar de nossos gestores do município e do estado, inclusive, em algumas situações, preferem financiar desfiles em outra capital, como foi o caso da Agremiação Mangueira, no Rio de Janeiro, onde o governo da Bahia deu sua contribuição, também sem dizer o valor investido.
Artistas, blocos e trios que saíram para desfilar nos circuitos Dodô e Osmar recebem valores astronômicos quando estes poderiam desfilar sem precisar de um centavo do poder público, pois têm capital social e político para se manterem. Enquanto isso, nossa comunidade vem para avenida segurar a corda do trio por míseros contos e disputar o recurso do Ouro Negro.
Os mecanismos de controle social de Salvador, aqui convoco principalmente o Conselho Municipal de Cultura e o Conselho do Carnaval, precisam conclamar toda a sociedade, empresários e poder público para, de forma urgente, debater um modelo de Carnaval que democratize e torne a festa mais inclusiva possível, sobretudo nas questões econômica, simbólica e cidadã.
O povo que constrói esta cidade precisa ser incluído no momento de pensar a festa para que possamos atender à diversidade, à multiplicidade de classes sociais que compõem nossa capital. Não podemos mais aceitar que quem menos ganha com a festa é a população soteropolitana, precisamos para além de aumentar o Carnaval nos bairros, construir formas colaborativas de montagem da programação e envolvimento de outras cadeias produtivas como feiras e exposições, bem como levando atrações que têm visibilidade midiática, a economia criativa aqui presente, os livros, a poesia, o mercado sustentável e diversas outras matrizes culturais com o intuito de distribuir melhor os lucros do carnaval, tornando-a de fato uma festa para todos.

O autor é Presidente do Conselho Municipal de Cultura de Salvador/BA